Segue um trecho do livro “Novo diário”, de Eduardo Frieiro.
“A espoliação da maioria, levada livremente a cabo, favorecida até pelos poderes públicos e em grande parte realizada por esses mesmos poderes, toca ao auge no Brasil desde momento. O afã de lucro, a ânsia de enriquecer de um dia para o outro, não deixa o mínimo escrúpulo na consciência dos industriais, banqueiros, produtores, atravessadores, negocistas, especuladores, comerciantes, açambarcadores, câmbio-negristas, advogados administrativos, capitalistas em geral e toda a caterva desumana da minoria gatuna que medra sob a proteção das leis. É com verdadeiro sadismo que essa corja espolia e rouba a pobre, a paupérrima população brasileira, talvez a de mais baixo padrão de vida em todas as civilizações.
Penso, às vezes, que o remédio seria uma revolução como a russa, na qual se desse cabo das classes parasitárias. Mas não creio em utopias revolucionárias. O capitalismo de Estado, à maneira russa, parece-me mais detestável que o capitalismo individual, e muito mais escravizador e brutal.
Com qualquer regime será possível ao país encaminhar-se para a realização paulatina de um programa mínimo de reivindicações sociais, a saber: o reconhecimento de que a propriedade não deve ser utilizada contra o interesse coletivo; proteção do trabalho em todas as suas formas; organização das forças produtivas do país; gratuidade do ensino público em todos os seus graus e assistência social à criança; supressão ou redução de impostos sobre as utilidades, gêneros alimentícios, medicamentos etc. indispensáveis às classes menos favorecidas; elevação do nível de vida do trabalhador rural, auxiliando-o por todos os modos possíveis, e sua libertação do intermediário; liberdade de crença e de cultos; livre manifestação do pensamento, escrito, falado, irradiado; divórcio e relativa liberdade sexual.”
Eduardo Frieiro nasceu no pequeno município de Matias Barbosa (MG), em 05 de julho de 1889, vindo a falecer em 24 de março de 1982, em Belo Horizonte. Foi professor, escritor e diretor da Biblioteca Pública de Minas Gerais, hoje Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa (as informações são da Wikipedia).
“Conheci” Frieiro através de Humberto Werneck. Primeiro, em seu excelente – e, para mim, indispensável – “O desatino da rapaziada – Jornalistas e escritores em Minas Gerais (1920-1970)“, e depois em duas crônicas que Werneck escreveu sobre Frieiro, ambas publicadas no jornal O Estado de São Paulo. Uma em 07 de julho e outra em 14 de julho de 2015 – vale muito a pena lê-las.
Esgotados nas livrarias, é possível encontrar livros de Frieiro em sebos. Tempos atrás comprei dois pela Estante Virtual: “A ilusão literária”, de ensaios, e “Novo diário” – porque os “velhos” diários Frieiro queimou em 1942, conta Fábio Lucas na introdução do livro: “vinte e dois cadernos, equivalentes a 10 anos de apontamentos”. Só que, “Nove dias depois”, “iniciava o Novo Diário“.
Os dois livros demoraram mais que o normal para serem entregues – culpa dos Correios, acabaram com a eficiência dos Correios -, especialmente “Novo diário”: a demora foi tanta que a Livraria da Amélia, onde o comprei, teve que me enviar um outro exemplar, pois o Correio deu o primeiro livro enviado como perdido. Após a chegada do segundo, chegou também o primeiro, o qual doei – com o consentimento da Amélia – para a biblioteca da Universidade Estadual de Feira de Santana.
Fatos curiosos à parte – ah, tem mais um: Frieiro e eu fazemos aniversário no mesmo dia -, o trecho aqui reproduzido continua atual, infelizmente. Caso a data não tivesse sido revelada, o leitor poderia achar que Frieiro está vivo e escreveu isso semana passada. A única ressalva que se pode fazer é ao final: “divórcio e relativa liberdade sexual”. O divórcio já não é mais um tabu, entretanto, a liberdade sexual – não relativa, mas total – continua sendo.
Mais de setenta anos se passaram. Por quantos anos mais esse trecho continuará atual?